sexta-feira, 2 de março de 2018



Dez da noite

Meus dedos manuseiam facas de serra para fatiar o pão (com as mesmas mãos que apontam direções às pessoas digitam teclas numa tela que evoca vozes coçam minhas picadas de selva varrem a poeira do tempo na minha casa fazem sons quando ensaboam o corpo batucam as janelas dos automóveis que me deslocam escrevem cartas de fim tocam as texturas)

Todas as mãos ao meu redor fazem o mesmo que as minhas

E me dou conta
Do quão
Corpos-cotidianos
Somos

Alguém conta uma história mas é sobre a novela
Alguém se eriça mas é porque a louça precisa de novo ser lavada
Alguem me toca e pede a manteiga
(O toque de pedir a manteiga tem calor o suficiente para tamborilar dança e carregar música em si, mas se esqueceu)

Minhas palmas seguram facas todo fim de tarde
E eu gostaria mesmo de usá-las para criar uma fenda nessa normalidade insuportável
(As palavras são SEMPRE as mesmas
Falar se torna um ato passivo agressivo
Quantas vezes usamos nossa boca para rir de nervoso?)
Há quanto tempo eu não libero a víscera da minha dança?

A rotina
Precisa estourar
Ir além
E deixar vestígio em brasa na manhã seguinte
Ritos coletivos em oferenda ao movimento absurdo
Um grito solto como bom dia e um olhar de gruta como boa noite
Fazer sexo com as plantas do quintal
Cantar desafinado com a voz que vem da planta dos pés
Quebrar um vidro e deixar o vento entrar
Comer prana com a mão e pintar a pele de azul
Temperar os pés com uma mistura de luz da crescente e gel de babosa

O caos

É urgente

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