terça-feira, 6 de outubro de 2015

Manifesto!

Nasci
Feita de células-grãos-de-açúcar;
Basta uma chuva para derreter
Inflamar, murchar

Colher na boquinha
Alergia de mordida de inseto
Berreiro ao se deparar com o chão
Passos equilibrados
Cuidado ao existir, sinhazinha!
Uma rede de mãos ao redor
Para amortecer as quedas

Encravada, porém
No imo do corpo frágil
Uma semente vermelha, quase disfarçada,
Pulsa forte
Feito caroço de abacate que vai brotando
No fundo da fruta mole

Ritmada pelos tambores dos ancestrais,
Que habitam a alma
E que guardam em potes de barro firme,
Moldados por suas mãos de fogo,
Os gritos e vibrações da essência de todos os corpos,
Ela cresce em vigor
Criando raízes

Caule, tronco, folhas

Rompendo, por fim
A superfície açucarada
Desprendendo os gritos dos cântaros.
Eis que me deparo
Com um novo nascimento

O brilho que cintila no meu olho
Se reconhece, então, na memória antiga:
É reflexo do rio que corre
Nas veias dos povos vermelhos,
Das mulheres vermelhas
As sagradas da mata

Nesse momento de redescoberta
Ouço meus passos com atenção.
Eles ressoam as pisadas e danças livres
Dos calcanhares vivos e enraizados
Das deusas carmim

As mesmas rainhas que foram
E são
Envenenadas com cinza e pólvora
E escravidão e serra e mãos espinhosas
Que arrancam sem constrição
Seus ninhos, seu chão divino
Seus puros cursos d'água
Dilaceram seu manto de estrelas
Sua carne lendária, contadora de histórias
Suas árvores parteiras anciãs

Lesmas pútridas, monstros
Deixam rastros estrondosos da gosma-níquel
Penetram seu universo com cerco e medo
Estupro latifundiário geral
Infiltração descarada de terror
Asfixia de vida genuína

Por isso, vocifero:
Arregalemos o olhar
À estas guerreiras
Que pintam sua história com o próprio sangue
Tinta lúgubre que vem sido ofuscada
Com borrachas de poder branco
Sem sequer um resquício de pudor

Brademos unidos
A essas que na verdade
São nossas mães originais
As anfitriãs da humanidade primeira
A essas que dividem conosco suas almas inteiras
Ainda que não percebamos

Estamos em estado de faísca
Temos vozes de atear lutas

Para resgatar nossa unidade sagrada
Nossos gritos de urucum
Confrontemos!